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Os efeitos perversivos do Direito Penal em tempos de pandemia - Rodrigo Holanda Bragança

Atualizado: 29 de out. de 2021







Quinta-feira, 30 de abril de 2020




Imagem: Secom – MT / Christiano Antonucci Por Rodrigo Holanda Bragança Em contexto de quarentena, inúmeras são as notícias dando conta de massivas detenções policiais por descumprimento das medidas restritivas de isolamento. No fito de angariar o máximo engajamento social, o poder público lança mão do braço repressivo do estado, como primeiro remédio para o efetivo cumprimento de tais medidas. Malgrado a nobreza da intenção, é de se questionar se a utilização do aparato repressivo possui o condão de impedir ou desestimular os cidadãos de burlarem os protocolos de quarentena. E mais, quais seriam os efeitos perversivos da utilização do direito penal, como primeira medida, para tal intento. Segundo dados da CyberLabs, a cidade do Rio de Janeiro vem numa curva de diminuição do índice de isolamento, sugerindo que cada vez mais os cariocas estão se expondo em ambientes externos. O que se constata, de plano, é que o recrudescimento da repressão policial – especificamente no que atine ao crime de infração de medida sanitária – é inversamente proporcional ao número de pessoas engajadas no cumprimento das medidas de isolamento. Via de consequência, é lícito admitir que a ameaça punitiva do estado se mostra ineficiente para os fins supramencionados. É de se destacar que, por ser a mais devastadora das medidas, a aplicação do direito penal deve, necessariamente, ser precedida da observação de balizas e garantias constitucionais, que limitam o exercício arbitrário do poder punitivo estatal, no intuito de se mitigar a possibilidade de aproximação do estado a mais um regime de exceção. Dito isso, é consenso na doutrina, que o direito penal possui como diretriz principiológica a intervenção mínima, devendo ser aplicado sempre em caráter subsidiário. O aparelho repressivo do estado, portanto, só deverá atuar na ausência de outras medidas que se quedaram incapazes de solucionar determinado transtorno social. Ao lançar mão do emprego do aparato repressivo do estado como primeira medida a ser inaugurada tendente a combater aqueles que violam a quarentena, o poder público ignora a aplicabilidade da lei penal como ultima ratio, afrontando, via de consequência, o princípio da subsidiariedade penal. [1] A propósito do aspecto principiológico, o exame detido das características acerca do tipo penal descrito no artigo 268 do código penal escancaram o caráter inócuo e desarrazoado da utilização de agências de repressão na luta inglória contra o avanço do Covid-19. Vejamos. A um, o crime de infração de medida sanitária preventiva, possui como elemento subjetivo do tipo o dolo. É dizer que para sua configuração é necessário que o agente possua a intenção (animus) de descumprir a determinação do poder púbico, o que só é possível caso a conheça. [2] Tal cenário é impensável, dada a escassez e dificuldade do acesso à informação da maioria da população do país. A dois, muito embora o delito descrito no tipo penal do artigo 268 do código penal, trate-se de crime de perigo abstrato, é imperioso que se constate o potencial de a conduta ofender o bem jurídico ora protegido pela norma penal, em observância ao princípio da lesividade. Portanto, na ausência de provas que indiquem que o agente era portador da doença à época dos fatos, a conduta, irremediavelmente, deverá ser considerada atípica. Cabe destacar, sobre o tema, o magistério de Raúl Zaffaroni [3], para quem “é inconcebível a criminalização de um pragma que não implique qualquer ofensa a outrem (representado no bem jurídico). Não existe conflitividade quando a ação não ofende ninguém”. A três, por se tratar o crime em comento de menor potencial ofensivo, porquanto a pena máxima não ultrapassa 2 (dois) anos, não caberá prisão preventiva, razão pela qual é inócua a condução do cidadão à Autoridade Policial, uma vez que, inevitavelmente, quedar-se-á livre tão logo assine o termo circunstanciado lavrado em sede policial. É dizer, portanto, que, o contingente policial é utilizado para fins inócuos e delegacias de polícia são abarrotadas de novos procedimentos sem perspectiva de qualquer resultado aparente, o que gera inevitável defasagem no combate e investigação de crimes mais graves, cujo estado deveria priorizar atenção; os juizados especiais são sobrecarregados de procedimentos natimortos, e que, fatalmente, diminuirão a eficiência da prestação jurisdicional dado o aumento das demandas nas serventias. Acrescente-se, a isso, o aumento significativo dos recursos públicos que deverão ser gastos, inoportunamente, no fomento da atuação das agências de repressão e judiciário, num contexto em que urge ao estado priorizar seus gastos para o combate eficiente o avanço do novo Coronavírus. Para além de efeitos deletérios imediatos da utilização inócua do aparelho repressivo, a banalização do direito penal como mecanismo de controle social é sempre custosa à sociedade. Isso porque a demanda constante por medidas estatais coercitivas gera, inevitavelmente, hipertrofia de um Estado policialesco, cujas instituições são marcadas pela utilização desmedida do mecanismo punitivo em desfavor do cidadão, sobretudo para os mais vulneráveis economicamente – alvos constantes dos arbítrios e excessos punitivos do estado. O resultado disso é a degeneração do direito penal em instrumento promocional de realização de políticas públicas estatais. O Direito penal se torna administrativista servindo de gestão de riscos. Desse modo, passa a desempenhar funções idênticas àquela do Direito Administrativo Sancionador. O Estado assegura a aplicação da norma pela norma, levando em conta a simples adequação de certa conduta a uma tipificação penal, sem qualquer razão de existir. Resguarda-se, portanto, a mera aplicação da tipicidade formal, rechaçando-se o caráter material da norma, uma vez que, nesse caso, não importa ao direito penal saber qual bem relevante foi ofendido a ponto de trazer à baila a aplicação de uma pena. [4] É de se destacar que não se ignora a importância das medidas restritivas de isolamento. Inobstante, uma vez estabelecidas tais medidas, é necessário que o Estado lance mão de estratégias inteligentes e resolutivas a fim de aumentar a aderência da população ao decreto imposto. É categórico, portanto, que se pense no uso de sanções administrativas e medidas pedagógicas que, de fato, possam estimular um efetivo engajamento social em prol da quarentena. Cite-se, como exemplo, o amplo acesso à informação por meio da propaganda e a aplicação de multas a infratores, que historicamente tem se mostrado como estratégias eficientes na resolução de dilemas sociais. [5] Rodrigo Holanda Bragança é advogado criminal, pós-graduado em Ciências Penais e Segurança Pública pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e bacharel em direito pelo Instituto de Brasileiro de Mercado de Capitais – IBMEC/RJ. O Justificando não cobra, cobrou, ou pretende cobrar dos seus leitores pelo acesso aos seus conteúdos, mas temos uma equipe e estrutura que precisa de recursos para se manter. Como uma forma de incentivar a produção de conteúdo crítico progressista e agradar o nosso público, nós criamos a Pandora, com cursos mensais por um preço super acessível (R$ 19,90/mês). 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  1. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – v. 1: parte geral. 24. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2018;

  2. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Direito Penal e coronavírus: um alerta durante a pandemia. Conjur. São Paulo. 04 de abril de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-04/bottini-botelho-alerta-direito-penal-pandemia. Acesso em 28.04.2020.

  3. MALAN, Diogo. Direito Penal e Economia. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2012;

  4. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017;

  5. ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito penal brasileiro, segundo volume: a teoria do delito: introdução histórica e metodológica, ação e tipicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2010;

  6. ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 5ª ed. 2001.


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